O Carnaval nosso de todo ano
21 de fevereiro de 2023
Você já se perguntou se esta festa da cultura popular é mesmo somente nossa? Se ela, que tornou o Brasil famoso no mundo todo, é realmente brasileira?
(Não estamos aqui, hoje, para debater as formas como o Brasil é reconhecido no exterior. Isso mostra-se como um assunto para conversas em outros dias.)
Como nós, do Liceu Santa Cruz, possuímos, como um dos métodos de ensinagem, despertar a curiosidade intelectual de nossos jovens e crianças sobre o que acontece, não apenas nesta escola, mas na atualidade, também, precisamos lançar algumas questões: De onde veio a palavra “carnaval”? Como surgiu essa festa? Quando? Para quê? Por quê?
Voltemos no tempo, caminhando pela Etimologia e pela História.
Carnaval se origina da expressão latina carne levare, que significa afastar-se da carne. Estranho, não é? Por que afastar-se da carne? Simples: o último dia em que se permitia o consumo de carne, antes da Quaresma, período marcado pela contrição e pelo jejum, anterior à Semana Santa. Por isso, afastar-se da carne.
Oficialmente, o Carnaval surgiu na Idade Média, entre os séculos XI e XII. Historicamente, no entanto, alguns pesquisadores resgatam festas populares, com características carnavalescas, na Macedônia, Grécia e Roma.
Pensemos juntos: nem tudo que parece novo e nosso, não o é!
A festa originária possui o mesmo significativo de toda e qualquer festa: comemorar! Comemorar a possibilidade de se viver em um mundo que não o real, de “um mundo invertido, imaginário”, ou seja, em um mundo em que representamos algo que não somos. Daí as fantasias.
Lembram-se das antigas fantasias que usávamos e adorávamos? Quantas princesas, ciganas, indígenas (que até músicas celebravam)!
Porém, prezado leitor, o mundo muda e mudamos com ele.
Hoje, nossas fantasias representam, de forma repetitiva, o mundo super explorado. Nossos filhos se vestem de super-heróis, piratas, monstros; nossas filhas, de princesas, bailarinas.
Será que nossa criatividade perdeu espaço para a repetição do mesmo da mesmice? Por que não um chuveiro sem água (já que as reservas de água doce se esvaem), por que não uma fantasia de salada de fruta (já que primamos por uma alimentação saudável) etc etc etc?
Coisinhas para se pensar!
Não nos desviemos do tema principal. Voltemos às origens, transportando-nos à Idade Média e à Moderna.
Apesar de ser uma festa bastante secularizada, o Carnaval, na forma como o conhecemos, surgiu como uma celebração cristã. Todas as celebrações da Antiguidade, com muitas festas, eram condenadas pela Igreja. Assim, Ela resolveu condensá-las em um período do ano que antecedesse a Quaresma, como já dito.
Desse modo, os fiéis tinham um momento para extravasar todos os seus impulsos antes de iniciarem sua restrição.
A posição do Carnaval, realizado antes da Quaresma, é algo proposital estipulado pela Igreja, como uma forma de separação entre o movimento de celebração e o de seriedade religiosa.
Durante a Idade Média e a Idade Moderna, as festas carnavalescas podiam estender-se por até dois meses, e, muitas vezes, entendidas pelas autoridades como uma forma de garantir a ordem social, uma vez que o povo, extravasando seus impulsos durante o Carnaval, poderia, depois, ser mais facilmente controlado.
Importante dizer que as autoridades juntavam-se ao povo durante o Carnaval, talvez como uma forma de garantir seu prestígio perante as massas. As festas carnavalescas europeias aconteciam nas ruas com peças teatrais, bailes de máscaras, passeatas de carros alegóricos, apresentações musicais etc.
Aqui no Brasil, as primeiras comemorações aconteceram no período colonial com os entrudos, brincadeiras violentas e ofensivas, uma forma de explosão de sentimentos contidos durante o ano todo e com a possibilidade de liberá-los durante os três dias. Não eram apenas nas ruas que o entrudo se verificava, pois também era praticado no interior das casas das famílias de posição social mais elevada que se recusavam a compartilhar as ruas nesses dias, trazidos para cá pelos portugueses. Mas havia interação, pois mesmo de dentro das casas, as moças participavam da brincadeira carnavalesca, jogando águas nos transeuntes que passavam sob suas janelas. Possivelmente, até, D. Pedro II tenha praticado o entrudo em seu palácio, em Petrópolis.
Todo o dito são histórias com o intuito de, agora, nos centralizarmos no hoje.
Aqui da Mooca, do Liceu Santa Cruz, comemoraremos esta festa com blocos carnavalescos no seu significado mais original: a identificação de um grupo com características e objetivos similares, com alegria extravasada.
Dessa forma, além de nos reunirmos, também nos identificaremos com nossos abadás (você, leitor, já enviou à escola uma camiseta usada de seu filho ou filha? Não se esqueça deste detalhe.).
Abadá? Essa palavra possui muitos e muitos significados que, neste momento, não revelaremos. O que nos interessa mesmo são aqueles relacionados ao Carnaval. Nada de ligações com “escravos, nada de “trabalho”, nada de “culto”.
O que nos convém é o de uma bata, solta, comprida e confortável quase igual ao traje dos nigerianos e o da roupa de capoeira.
Na década de 1990, em substituição às mortalhas, comuns no Carnaval da Bahia, o designer e carnavalesco Pedrinho da Rocha criou essa nova forma de fantasia que identificava (e identifica) os foliões de um determinado bloco, assim como as camisetas de futebol revelam e expõem a nossa preferência pelo time de futebol do nosso coração.
“Em homenagem ao Mestre Sena, antigo capoeirista e amigo, o designer batizou a nova fantasia de abadá que logo virou sucesso em todo o Brasil e terminou por popularizar essa palavra.”
Isso posto, estão explicadas algumas das posturas pedagógicas do Grupo A Educacional: festas e brincadeiras tanto podem divertir e alegrar nossos meninos e meninas, como também ensinar e preservar as nossas referências culturais; desenvolver o compartilhamento das emoções; a união pelo trabalho conjunto; o pertencimento; o consumo responsável pela reutilização do antigo e a liberação da inventidade – na confecção de nossos abadás –; a alegria de novas conquistas.
Temos a certeza de que ”este ano não vai ser igual àquele que passou”.
Vamos lá. Carnaval também é Cultura.
Até à próxima, caro leitor.